Acordei! Senti uma brisa leve de primavera entrando sorrateiramente a farfalhar pela cortina, trazia junto um leve aroma de flores silvestres que vinha dos canteiros do vizinho. Como pequenas coisas do dia a dia trazem lembranças, o vento e os cheiros, a brisa aconchegante de uma manhã de primavera me trouxe muitas memórias.
Esquecidas no fundo da alma de personagens que já partiram e que foram tão protagonistas em minha vida.
Lembranças de uma mesma manhã há tanto tempo que mais parece outra vida, a cortina de voal muito simples, presa com barbantes em pregos cuidadosamente colocados em fila que voava com a brisa, a casa de madeira muito antiga com algumas lascas da pintura teimando em se mostrar, as paredes um pouco desconexas faltando aqui e ali uma ripa que fechasse o vazio, o perfume das flores e das rosas plantadas bem abaixo da janela.
Levantava todas as manhãs para cumprir os afazeres de criança, de menina. Tomar banho, tomar café, ir para a escola, como toda criança. Uma vida simples, sem luxo, sem muitos brinquedos. Voltava da escola, almoçava e como todas as outras tantas do bairro ia para a rua brincar.
Porém a noite chegava e todos cansados de tanto correr, pular e brincar voltavam para casa, eu e meus irmãos chegávamos até o portão e ficávamos a escutar. Sabíamos que se entrássemos teríamos que correr para um esconderijo. O meu sempre foi embaixo da cama. Aguardávamos como toda criança obediente e temerosa que tudo se acalmasse e muitas vezes os vizinhos vinham e nos buscavam para dar janta porque sabiam que tudo poderia demorar.
Nestes momentos era bom, ficávamos na casa dos vizinhos e podíamos ficar brincando mais tempo.
Em determinada hora os mesmos vizinhos nos diziam que podíamos voltar para casa. Entrava em casa e as vezes havia um olho roxo, um corte, hematomas. Outras vezes uma cadeira que não sobreviveu ou uma janela que foi estraçalhada ou copos e panelas que não foram poupados. E, o silêncio….
Os dias passam e as crianças crescem. Os meninos cresceram muito mais rápido que as meninas, e logo se tornaram defensores. E, rapidamente, o caos se instalou e surgiu a negociação pelo território. O homem já não era o senhor do castelo, havia outros. E foi assim que as brigas, as quebradeiras começaram a diminuir e foram se acalmando.
Não demorou muito para que o medo mudasse de lado e eu já podia ficar em casa, não precisava mais me esconder, não precisava mais temer.
Mas é engraçado esse medo, ele te acompanha mesmo que você saiba que o perigo não existe mais, que o cenário é outro. Que foi em outra vida.
Enfim…. Olhei o teto e vi aquela cor marfim de um quarto amplo, aconchegante com móveis brilhantes, a cortina bem-feita, colocada com maestria, respirei mais um pouco aquela brisa cheirosa e … levantei!
Maria Luzita de Faria
Cadeira 34 – Patrono: Silvio Paulo Prodöhl
Desenvolvido por WWM – We Wanna Make Negócios Digitais – contato@wwmdigital.com.br